terça-feira, 3 de setembro de 2013

Brasília depois de quase uma década


Brasília e eu nos reencontramos após sete anos, como amigos que não se viam há algum tempo, mas que na primeira conversa retomaram o fio da meada exatamente de onde pararam. Foi como se de agosto de 2013 voltasse para dezembro de 2006, época da minha despedida, o fim de uma fase, de um capítulo da vida. Desembarcaram comigo não só as bagagens de mão, mas toda uma sequência de calorosas lembranças da infância e da adolescência ali vividas. Pude fazer a visita à cidade que me viu crescer, lugar de memória afetiva, ainda que fosse por um apertado tempo de dois dias. A oportunidade de novamente pisar no Planalto Central foi uma viagem para participar da oficina de radialistas do projeto "Nas Ondas do Rádio  - a prevenção da violência contra crianças e adolescentes", uma iniciativa do Ministério da Saúde na área de comunicação para a paz e os direitos humanos.
 

Além dos compromissos profissionais desse evento, nos intervalos da programação valeu muito a pena visitar as casas de amigos queridos, andar pelo bairro Sudoeste e pelo Plano Piloto. Conversamos sobre os acontecidos lá atrás, os causos de família naquele momento inéditos, roteiros de viagens e como estavam o estilo e o custo de vida, o trânsito e a violência cada dia piores, os projetos atuais e futuros de cada um de nós. A cidade não era mais a mesma, sem dúvida, ainda que muito se tenha seguido e mantido do planejamento fundador da capital. Seguem as tesourinhas para o retorno nas superquadras, a lógica numérica dos endereços e o preciso traçado dos eixões e eixinhos. Permanece em Brasília o sonho do país em se tornar uma nação desenvolvida, moderna, um país avançado, apesar da constatação de que o Brasil de fato e de direito com todas as contradições e possibilidades começa só e principalmente depois da borda tracejada do Distrito Federal. Isso só me veio mais claramente por ter me mudado para o Nordeste, para o Ceará e ter tido algumas andanças pelo sertão. Inclusive, por curiosidade, fui na carona de dois taxistas cearenses, um de Redenção e outro de São Benedito.





O aeroporto JK está com obras ambiciosas de expansão para a Copa do Mundo, e o Entorno e as cidades-satélites cresceram desordenamente pelo que se pode constatar da vista aérea. As estações de metrô estão completas, ladrilhadas, brilhando; em nada se parecem com os blocos de pouca cor do concreto de alguns anos. Brasília chegou aos cinquenta, como uma charmosa senhora de meia-idade que vê o passado e nele enxerga o acúmulo de experiência. Olho para ela admirado como um dos seus filhos adotados, brasiliense de coração, como tantos brasileiros desde os candangos que construíram a capital e os que lá chegaram em décadas seguintes.




Música
Retornei emocionado ao Clube do Choro de Brasília, lugar que tanto frequentei no começo da adolescência, no início dos anos 2000. Um lugar que me formou como músico e plateia, apreciador da boa música instrumental. A sede nova do Clube do Choro - projetada há alguns anos pelo centenário arquiteto Oscar Niemeyer - mantém a tradição, com mais estrutura de luz e som, ao mesmo tempo que segue com o aconchego e a proximidade do público com os músicos. Na ocasião, assisti à apresentação do bandolinista e compositor Carlos Henrique Machado, com o trabalho "Vale dos Tambores", que pesquisou influências afro-étnicas nas raízes da música brasileira.





Sabores
Para encerrar essa viagem memorável, nada como ir à Pizzaria Dom Bosco. Tradicional estabelecimento fundado em 1960, junto com o surgimento da nova capital, a Dom Bosco só possui até hoje um único e absolutamente bem-sucedido sabor de pizza; poderíamos definir como uma mussarela com molho de tomate que deve com certeza ter algum ingrediente secreto para prender por tanto tempo o paladar de um povo. De dois pedaços fazemos uma espécie de sanduíche, e as dentadas nessa pizza dupla são acompanhadas por suco de caju, de laranja ou chá mate, ou ainda uma mistura livre ao gosto do freguês desses três líquidos, a conhecida "bomba". Claro que todo brasiliense no mínimo se irritaria com aquele chavão que na capital tudo acaba em pizza na política, mas nesse caso é apropriado porque foi para celebrar o reencontro, a memória saborosa por pisar novamente em solo amado, onde germina saudade e floresce esperança.


Marco Leonel Fukuda
Músico e comunicador

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