terça-feira, 28 de setembro de 2010

Entrevista com o professor Gilmar de Carvalho

Entrevista com o professor Gilmar de Carvalho
45 anos do Curso de Comunicação Social da UFC (1965-2010)
Trabalho da Disciplina de História do Jornalismo Brasileiro - profª. Mônica Mourão
2° semestre de Comunicação Social / Jornalismo
Fortaleza, 27 de setembro de 2010. 10h da manhã.
Alunos-entrevistadores: Marcella Macena, Marcello Soares e Marco Leonel Fukuda.


Gilmar de Carvalho


O Professor Gilmar de Carvalho é jornalista, publicitário, professor aposentado do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisador em cultura popular, curador da seção expositiva de xilogravuras do Museu de Arte do Ceará (MAUC – UFC), possui Mestrado em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e Doutorado em Comunicação e Semiótica pela Universidade Pontifícia Católica de São Paulo (PUC-SP). Nesta entrevista, concedida na manhã da última segunda-feira 27 de setembro de 2010 no prédio do departamento de Comunicação Social da UFC, o professor Gilmar de Carvalho relatou experiências do seu tempo como estudante de Comunicação Social da UFC (1969-1972). Gilmar falou de como eram a imprensa cearense e o exercício do jornalismo naquele momento histórico, da vida na universidade durante a ditadura militar no Brasil, da sua atuação profissional como jornalista, publicitário, professor e pesquisador da UFC, sua convivência com o poeta Patativa do Assaré como organizador da obra de um dos maiores poetas da literatura de cordel e encerra a entrevista com um balanço dos 45 anos do curso de Comunicação Social da UFC (1965-2010).

1. Professor, o senhor cursou Jornalismo em uma das primeiras turmas daqui da UFC, como era a estrutura do curso no ano em que o senhor ingressou? Quais eram os professores?

Gilmar de Carvalho: A estrutura do curso era muito precária, muito mais precária ainda do que o que é hoje. Na verdade, a gente tinha um arremedo, apesar da boa vontade de alguns professores, e apesar da importância que foi a luta pela criação de um curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo no Ceará naquele período. A gente vivia muitas dificuldades. Uma boa parte dos professores, sem querer desmerecê-los, vinham do Direito, passavam pelas redações, onde eles se formavam, na verdade, uma formação na prática, não tinham uma formação acadêmica que a minha geração passou a ter e passou a oferecer depois aos alunos do curso. Então eram poucos laboratórios, tinha professores esforçados, alguns muito amigos e que marcaram muito a vida, a experiência da gente. Mas era tudo muito improvisado. Quando a gente ouve hoje notícias de que estão instalando novos equipamentos, de que estão contratando professores, de que estão contribuindo para um aperfeiçoamento do curso, a gente fica feliz, porque se lembra das dificuldades e de como era tudo muito precário, como era tudo muito incipiente quando a gente começou. Entrei no curso em 1969 e saí em 1972, na verdade, sou da quarta turma que saiu do curso.


2. Como era a imprensa cearense e o exercício do jornalismo naquela época em que o senhor era estudante?

Gilmar: A imprensa cearense era muito ainda, digamos, mais amadora, ela estava ainda se profissionalizando. Nós não tínhamos ainda grandes grupos econômicos que passaram a atuar em seguida. Nesse momento, em 1969, nós já tínhamos uma sociedade do empresário Edson Queiroz com o empresário José Afonso Sancho, eles dois geriam o jornal Tribuna do Ceará. Mas os outros jornais eram pequenos, embora estivessem ligados a alguns grupos; comecei a escrever, por exemplo, na Gazeta de Notícias, que fazia do grupo J. Macêdo, mas ela era assim a ponta, era o mais insignificante, era o menos importante do grupo, tanto que foi uma das primeiras empresas das quais o grupo se desfez. Ela foi vendida para o jornal O Povo, e o jornal O Povo tratou logo em seguida de fechar a Gazeta de Notícias. Em 1969, quando eu comecei a fazer o curso de Jornalismo, as empresas estavam investindo pesado na compra de equipamentos de off-set, que melhorou bastante a feição gráfica e a possibilidade de se fazer um jornalismo mais atraente, mais sedutor do ponto de vista visual, com a utilização da fotografia, de charges, de cartuns, com um acabamento melhor. Antes os jornais eram pesados, eram ainda mais, digamos, "mal-feitos", mais mal impressos, então eu pego essa virada com a implantação do off-set. O primeiro jornal que implantou foi a Tribuna (do Ceará), exatamente porque estava fazendo parte de uma sociedade do Edson Queiroz com o Sancho. Depois os outros jornais passaram a adotar. Em 1969, nós tínhamos ainda uma divisão de jornais que circulavam pela manhã e jornais que circulavam à tarde, o que, depois a partir do início da década de 70, houve uma padronização e os jornais passaram a circular apenas pela manhã. Nós não temos mais jornais vespertinos. E também em 1969, os jornais não circulavam todos os dias. Alguns jornais deixavam de circular aos sábados, outros deixavam de circular sábados e domingos, outros às segundas-feiras. Então nós tivemos na verdade um realinhamento dos jornais dentro de uma ordem capitalista, de lucro, de um gerenciamento mais empresarial da atividade. Os jornais passaram a circular todos pela manhã, todos os dias da semana, e o número de jornais diminuiu muito. Nós chegamos a ter muitos jornais, durante alguns períodos dez jornais, depois oito e hoje temos três jornais diários que circulam em Fortaleza. Essa tendência também já tinha sido antecipada pelos estudiosos, de que haveria uma concentração, uma redução do número de veículos da mídia impressa.



3. E como foi para os estudantes de Comunicação naquela época que tinha um certo contexto de censura e repressão, como foi estar naquele momento para os estudantes, de ter vivido aquilo?

Gilmar: Foi muito difícil porque estava em vigor o Ato Institucional nº 5. Ele nos punia inclusive com a expulsão da universidade. Tinha um decreto, digamos, tinha um instrumento da ditadura que podia nos expulsar da universidade se nós fizéssemos atividades que contrariassem a ordem que estava no poder. E nós tínhamos infiltração de pessoas que eram ligadas aos aparelhos repressivos, que ficavam, às vezes assistiam a uma aula, aparecia uma pessoa para assistir a uma aula que a gente nunca tinha visto e essa pessoa era provavelmente ligada à ditadura, ligada à repressão. Nós tínhamos inclusive, eu não vou citar nomes, nós tínhamos professores do curso que eram ligados à repressão e que ameaçavam nos entregar, nos denunciar. Tínhamos também pessoas éticas, maravilhosas, competentes, amigas e pessoas confiáveis como a professora Adísia Sá e como outras pessoas muito importantes que vale a pena a gente ressaltar. E não vale a pena a gente citar o nome de outras pessoas. Nós vivíamos um clima muito pesado dentro da universidade, era como se houvesse um fosso, era como se houvesse uma necessidade de um conflito permanente, de uma tensão, de uma inimizade entre professores e estudantes. O que não é o caso, não é assim que eu penso que devam ser as relações dentro de uma universidade.



4. Falando agora da questão do senhor como professor, quando surgiram o interesse e a oportunidade de se tornar professor e pesquisador da universidade e como se relacionavam as suas atividades em sala de aula com as suas pesquisas em comunicação, cultura popular, curadoria?

Gilmar: Olha, eu prestei concurso em 1981, tirei o segundo lugar. Não vale a pena a gente comentar isso, mas a gente tem que aceitar que ficou em segundo lugar (risos). Foi uma história meio complicada. O candidato que tirou o primeiro lugar, a rigor, não poderia ter se inscrito, porque na época a legislação estabelecia um limite de 60 anos, e o candidato que tirou o primeiro lugar, quando se inscreveu, ele tinha mais de 60 anos. Então, a rigor, o departamento jurídico deveria ter barrado a inscrição dele, não o fez, eu tirei o segundo lugar e entrei aqui depois de algumas aposentadorias, algumas mortes, ficaram algumas lacunas aqui, e, como o meu concurso ainda estava em vigor, resolveram me chamar. Tanto que na minha carteira do Ministério do Trabalho está dizendo que a minha contratação estaria condicionada à decisão que o Superior Tribunal (de Justiça - STJ) faria da ação que o candidato que tirou o primeiro lugar e que não conseguiu entrar estava movendo. Mas eu terminei ficando, já me aposentei inclusive, e foi uma experiência muito agradável. Eu saí do mercado, trabalhei pouco tempo, que é uma coisa que eu acho ruim, eu deveria ter trabalhado mais tempo. Trabalhei pouco tempo com Jornalismo, trabalhei mais tempo com Publicidade. E vim para cá logo em seguida, aproveitando todas as possibilidades e cumprindo todas as normas, eu saí para o mestrado e para o doutorado. E assim eu tentei dar uma resposta, tentei me tornar um professor qualificado para lutar por uma melhoria de qualidade do curso. E em relação às minhas pesquisas, elas sempre foram muito fortes, sempre pesquisei muito e pesquisava mesmo, na maioria das vezes, às minhas custas, sem bolsas e era uma coisa muito prazerosa. A gente alugava um ônibus, rateava o aluguel do ônibus com os alunos, fazia roteiros, viajávamos pelo interior. Os alunos e as alunas pagavam os seus alojamentos, as suas alimentações, e nós fizemos viagens memoráveis, algumas pessoas ainda têm registros fotográficos, vídeos e entrevistas feitas. Visitamos muitos mestres da cultura e demos uma ideia do que seria o interior do Ceará. Fomos ao Sertão Central, à Ibiapaba, ao Vale do Jaguaribe, percorremos várias regiões, ao Cariri, em que fomos mais vezes, ao Cariri cearense, e os alunos gostavam, eu gostava, e estava sempre pesquisando e sempre com um projeto novo para desenvolver. Acho que dar aulas é

agradável, é prazeroso, é importante, mas o professor não pode só ficar em sala de aula, então tinha que fazer pesquisa e também tinha que fazer extensão. 

5. O senhor também trabalhou como publicitário em uma época em que não havia formação acadêmica específica no Ceará. Em que aspectos essa experiência contribuiu para a sua formação como comunicador? 


Gilmar: Na verdade, os cursos de publicidade vêm muito depois. O primeiro da Unifor (Universidade de Fortaleza) e depois da federal (Universidade Federal do Ceará). A gente era formado mesmo no dia-a-dia. Eu tive problemas com direções de jornal, não queriam me chamar, eu estava desempregado e uma amiga que era publicitária, também formada em Jornalismo pela UFC, a Dodora Guimarães, me indicou para a Scala Publicidade. Fiquei quatro anos lá, fiquei três anos na Mark, fiz alguns free-lancers depois. Foi muito importante ter uma ideia de como funcionava a Publicidade, essas estratégias de sedução, todas essas questões ideológicas. É muito fácil a gente ficar jogando pedras e detonando quando a gente está do lado de fora, mas ir para ver como uma agência funciona, como se monta, como é que você faz aquilo tudo. Uma ideia mais apurada, mais fina, eu acredito, dessa estrutura do capitalismo, de como isso funciona, da própria relação da Publicidade com os jornais, isso ficou bem mais claro pra mim quando me tornei publicitário. E eu acredito que eu tenha ganho muito com a Publicidade. A noção de tempo, tentar vencer uma certa prolixidade que às vezes a gente tem, de ficar dando voltas, dizendo as mesmas coisas, e falando muito quando a gente pode falar em menos tempo. A Publicidade me deu uma noção do que eram trinta segundos, do que era um minuto, de uma concisão, de uma objetividade de que o Jornalismo fala muito, mas nem sempre aplica. E a Publicidade é obrigada a aplicar, porque os custos são muito elevados. Então me deu essa noção de tempo, essa noção de espetáculo, uma noção de planejamento, de programação, assim, acho que eu me tornei um melhor profissional. E se eu me tornei um melhor professor, eu devo muito à minha passagem pela Publicidade.



6. Como foi a sua convivência com o poeta Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva [1909-2002], notável poeta cearense da literatura de cordel) e o seu trabalho como organizador do livro "Cordéis e Outros Poemas", lançado pela editora da UFC, e por vários anos utilizado na lista de leitura indicada do vestibular? 

Gilmar: Em 1993, eu trabalhei um ano como assessor do secretário de Cultura, o professor Paulo Linhares, e nesse período, eu conheci o Patativa. Fui até Assaré, tive uma ideia de lançar uma caixa com os cordéis de Patativa. Essa ideia já tinha sido levantada e eu viabilizei essa caixa e essa ideia, quando estive na Secretaria da Cultura em 1993. Isso foi quando eu conheci o Patativa. No ano seguinte, em 1994, eu saio para fazer o doutorado, e eu fiz o meu doutorado, envolvia xilogravura, eu fui muito ao Cariri. E numa das viagens, fui até Assaré e perguntei ao Patativa se ele topava me dar uma entrevista, assim, de um dia. Ele topou e ficamos um dia todo conversando. Essa entrevista se transformou num livro e a partir daí, a minha relação com o Patativa foi se tornando uma relação de confiança, de amizade, uma relação muito próxima. Organizei a Antologia Poética dele, fiz um livro de entrevista, fiz um livro de ensaios, um livro de cordéis de cordelistas que homenageavam o Patativa e eu juntei entrevistas, biografias e ensaios em um livro só chamado "Cem Patativa", que deveria ter sido lançado no ano passado e vai ser lançado este ano. Estou fazendo também um livro com o Thiago Santana, com as fotografias do Thiago e o texto meu. Então, ao todo, eu tenho dez livros sobre o Patativa, com o Patativa, do Patativa, para o Patativa (risos). E a caixinha de cordéis que fez com que eu me aproximasse dele, acabou se tornando o livro "Cordéis e Outros Poemas", que foi um livro indicado para o vestibular da UFC. O Patativa foi uma pessoa maravilhosa, iluminada, incrível, a maior pessoa que eu conheci. E uma pessoa muito digna, um grande poeta e essa minha relação com ele foi uma coisa muito prazerosa, foi muito importante para mim. E eu acredito que eu tenha tentado, tentei e espero ter conseguido dar conta de expressar a grandeza dele nesses livros que eu organizei, nesse trabalho que eu fiz e que eu tenho feito de divulgação da obra dele.



7. Como o senhor analisa a importância do curso de Jornalismo da UFC nas transformações culturais, políticas e sociais da sociedade cearense ao longo desses 45 anos (1965-2010)? 

Gilmar: Olha, eu acredito que a criação do curso tenha sido um marco na história do jornalismo cearense e acredito que os jornalistas que saíram daqui, eles, de um modo ou de outro, com maior, com menor intensidade, eles levaram para o mercado, levaram para a comunidade um maior domínio das técnicas, uma visão ética e um comprometimento com algumas questões. Claro que a gente não pode generalizar, nós temos muitas distorções, continuamos tendo colunismo social, continuamos tendo colunismo político chapa-branca, temos muitos problemas. Mas eu diria que o curso foi muito importante, tem sido, vem sendo e eu acredito que nesses 45 anos a gente deva se unir para lutar pela volta do diploma, que me parece ser uma questão muito séria também no sentido de dar uma maior consistência, e dar uma maior unidade às lutas, aos discursos, aos textos que a gente publica. E para a gente tentar ver que o jornalismo que a gente faz serve para alguma coisa além de servir para enrolar peixe no dia seguinte.