sexta-feira, 26 de julho de 2013

Ouro Preto


Ensaio fotográfico realizado em junho de 2013 na cidade histórica de Ouro Preto em Minas Gerais. A cidade foi fundada em 1698, quando da chegada da expedição chefiada pelo bandeirante Antônio Dias, que saiu de Taubaté (SP) em busca de ouro no interior do Brasil. A corrida do ouro gerou o ciclo econômico da mineração, com intenso povoamento, e os altos impostos da Coroa Portuguesa levaram à Inconfidência Mineira, importante episódio do Brasil Colônia. Sente-se a atmosfera de tanta história ao passar pelas ruas de Ouro Preto, que foi capital de Minas de 1720 a 1897. Qualquer um fica maravilhado com os monumentos, a arquitetura barroca preservada, as belezas naturais e o potencial de ecoturismo da região. Um convite para viajar junto nas fotos a seguir, na possibilidade que o blog tem de ser um álbum aberto de fotografias, de rotas compartilhadas de viagens e experiências.





Pela janela do trem, uma cachoeira surge na paisagem entre
Mariana e Ouro Preto da Bacia do Rio Tripuí (água veloz, em tupi).



Estação de Passagem de Mariana (1914), a 5km do centro de Mariana,
no meio do caminho do Trem da Vale entre Mariana e Ouro Preto.

Ao fundo, vista do famoso Pico do Itacolomi, com 1.700 metros de altitude,

um marco que orientou as expedições dos bandeirantes no século XVII. O
pico está em uma unidade de conservação ambiental (Parque Estadual 
do Itacolomi) e emoldura a bela "cidade da neblina", Ouro Preto, antiga Vila Rica.

Na chegada em Ouro Preto pela ferrovia, entramos em um vale e
esse é um dos primeiros ângulos em que vemos a cidade de relance.


Movimento de pessoas na chegada na Estação Ferroviária de Ouro Preto.
A gente percebe como é agradável uma viagem de trem, e entende
o porquê de ser um símbolo tão forte da cultura mineira.

Estação de Ouro Preto (1883), ponto final do Trem da Vale que parte de Mariana.


Um coreto é sempre um ponto de encontro nessas cidades do interior.
Um sinal dos tempos é que as praças e os coretos têm se perdido nas grandes cidades.


Praça Tiradentes, no Centro de Ouro Preto, com o Museu da Inconfidência em destaque. 
Lá estão os restos mortais de muitos dos inconfidentes. Essa estátua à frente representa 
o local onde a cabeça do alferes Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), o Tiradentes, 
foi exposta em praça pública.   


        
  Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos foi construída em 1785. Ela 
se destaca entre as igrejas de Ouro Preto por conta da estrutura circular da fachada.


           
  Trecho da Rua São José com o Museu Casa dos Contos no final, que foi a antiga Casa de Fundição, 
onde o ouro era coletado como imposto, transformado em barras com o selo da Coroa e enviado para Portugal. Na Casa dos Contos há um acervo representativo do ciclo do ouro em Minas, e, durante o Fórum das Letras da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), o espaço ganha uma livraria temporária, em que os livros são embrulhados em papel de pão, quentinhos para a leitura.




As ruas de Ouro Preto são convidativas para flanar, contemplar a paisagem,
se encantar pela afinidade entre o céu e as montanhas; andar sem tanto rumo, 
desde que se saiba voltar para a Praça Tiradentes, na parte alta da cidade.

Cine Teatro Vila Rica, que fica vizinho à Casa dos Contos. Palco
do 9º Fórum das Letras da UFOP.


Sessão de autógrafos da escritora Adélia Prado após a palestra de abertura do 9º Fórum das Letras da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em maio de 2013. Adélia falou sobre as literaturas da origem, a influência dos mitos e das lendas na escrita literária. Ela ressaltou a contribuição de Carlos Drummond de Andrade e de Guimarães Rosa para a literatura brasileira. Eu disse para a poetisa que costumava dar os livros dela de presente para a minha namorada."Rapaz esperto", ela respondeu.
E quando eu disse que minha mãe era de Piumhi, Adélia me falou:
 "mais mineira impossível. Cê sabe que eu sou de Divinópolis. É pertim."


Textos e fotos
Marco Leonel Fukuda
Músico e comunicador

terça-feira, 23 de julho de 2013

Mariana

Catedral da Sé de Mariana, dedicada à Nossa Senhora da Assunção.
A Igreja Matriz da cidade tem obras de Aleijadinho, Mestre Ataíde e um
órgão alemão raro de fabricante Schnitger (1753). O templo se localiza perto
do Museu Casa do poeta Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), na Rua Direita. 

Ensaio fotográfico da cidade de Mariana (MG), a primeira capital de Minas Gerais, fundada em 1696. O nome da cidade homenageia a Rainha Maria Ana D'Áustria, esposa do rei Dom João V de Portugal. Nas fotos que seguem, uma viagem sentimental e imagética por essa cidade histórica, patrimônio cultural com seus monumentos, igrejas coloniais, acervos artísticos preciosos do barroco mineiro e registros da época da mineração. Uma cidade para recordar, de tão pacata e singela, cheia de encantos que merece mesmo o nome e status de nobreza, como uma princesa situada no meio das montanhas mineiras.


Praça Minas Gerais, no Centro Histórico de Mariana, com a Igreja
São Francisco de Assis (à esquerda) e Nossa Senhora do Carmo (à direita),
belas construções do século XVIII.


A Câmara dos Vereadores de Mariana ao fundo, antiga Casa de Câmara e Cadeia,
também na Praça Minas Gerais. O prédio ainda mantém as celas no subsolo.


Igreja São Francisco de Assis emoldurada pelas escadarias
da Casa de Câmara e Cadeia (Câmara dos Vereadores).  O interior
do templo tem obras do famoso pintor marianense Mestre Ataíde (1762-1830)


Tradicional tapete de serragem feito em Mariana
durante festas religiosas como a procissão do Corpus Christi.

Igreja São Pedro dos Clérigos, que fica
no alto de um morro com uma vista panorâmica
para o Centro Histórico de Mariana.

Estação de Mariana - O ramal ferroviário que liga a cidade
a Ouro Preto foi concluído em 1914. Hoje o passeio de trem
entre as duas cidades é realizado pela Vale e leva uma hora.

  



Palácio dos Bispos - sede do Museu da Música de Mariana, centro
cultural que possui um rico acervo de partituras de música sacra e profana do Barroco,
 além de instrumentos que representam a tradição de bandas de música da região.

Na época visitada, feriado de Corpus Christi, havia partituras em exibição do 
ciclo sacro do Pentecostes, e ao longo do ano, a exposição segue o calendário litúrgico.

Praça Gomes Freire, no centro de Mariana. Os moradores chamam essa praça
carinhosamente de "jardim". Um lugar agradável entre os casarões seculares
e as tortuosas ruas de paralelepípedos.


Cortejo do bloco do Zé Pereira na Praça Jardim de Mariana,
um desfile profano na festa sacra do Corpus Christi 

Fotos tiradas em Mariana (MG) em junho de 2013.

Textos e fotos
Marco Leonel Fukuda
Músico e comunicador

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Olhares de BH

Mercado Central de Belo Horizonte (MG) - fundado em 1929. Importante
centro do comércio e da cultura de Minas Gerais, com artesanato,
comidas típicas, queijos finos, utensílios domésticos, entre outros.
Um ponto turístico e um ponto de encontro na capital mineira.


Camiseta bem-humorada vista na Feira Hippie de BH, realizada sempre
aos domingos quando se fecha a Avenida Afonso Pena, no
Centro, próximo ao Parque Municipal e ao Palácio das Artes.

Tranquilo passeio à tarde na Praça da Liberdade, cartão postal
de Belo Horizonte, um circuito cultural e arquitetônico que
relembra a tradição revolucionária da Inconfidência Mineira.
A praça foi inaugurada junto com a cidade em 1897.

Coreto da Praça da Liberdade, com o Edifício Niemeyer ao fundo,
projetado pelo famoso arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer (1907-2012).
A praça é conhecida por ser síntese de estilos arquitetônicos de várias épocas, 
como art déco, eclético, neoclássico e o paisagismo dos jardins franceses.

Um dia nublado em BH, da janela de um apartamento no bairro
Carlos Prates, ao fundo o delinear do horizonte da Serra do Curral e
elementos de forte ocupação do território.

Obras de construção do corredor exclusivo do ônibus BRT
(Bus Rapid Transit) na Avenida Cristiano Machado,
para tornar o trânsito menos "garrado" nas ruas de BH. 

Estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão, inaugurado em 1965.
Nessa foto, o estádio é entregue para a FIFA reformado para
a Copa das Confederações de 2013. Vista a partir do Campus

 Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Feijão tropeiro com coxas de frango e salada,
uma delícia da culinária mineira, feito pelas
mãos carinhosas da tia Juci, em Betim.

Textos e fotos:
Marco Leonel Fukuda
Músico e comunicador

Fotos tiradas em Belo Horizonte (MG) no início de junho de 2013.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Pedalar a passeio ou como ato político


Concentração do grupo de passeio ciclístico Ciclo Adventure na
Praça Martins Dourado, no bairro Cocó, em Fortaleza.
Foto: Marco Leonel Fukuda

Os passeios ciclísticos crescem em Fortaleza com grupos de pessoas que se reúnem para o lazer e o esporte, ou em iniciativas para promover a bicicleta como alternativa de mobilidade urbana.

A ideia de reunir um grupo para pedalar em passeios noturnos nas grandes cidades brasileiras surgiu em 1989, quando a fotógrafa e cicloativista Renata Falzoni fundou o Night Biker’s Club, grupo de ciclistas que desde 1993 realiza roteiros de bicicleta nas noites de terça-feira em São Paulo. Além de difundir a prática do ciclismo como esporte, em particular da modalidade do Mountain Bike, os passeios tinham por objetivo promover a bicicleta como meio de transporte, com orientações de medidas de segurança para os ciclistas e de educação no trânsito.


O costume rapidamente chegou a Fortaleza, e um dos passeios ciclísticos noturnos mais antigos da cidade é organizado desde 1998 pela loja Sport & Bike, no bairro Varjota, todas as segundas e quartas a partir de 20h30. A empresária de moda Rosana de Carvalho, 49, frequenta esse passeio há mais de três anos e levou pela primeira vez a filha Gabriela, 18, universitária, para participar da atividade. Rosana vai de carro trazendo a própria bicicleta de casa; ela gosta de pedalar nos passeios por conta do exercício físico e das amizades que faz no grupo. Porém vê dificuldades de conforto e tempo para utilizar a bicicleta ao se locomover no dia a dia pela cidade. “Porque o trânsito é louco, a cidade é quente, e tenho medo de assalto”, justifica.


José Rogério de Farias, 56, empresário do setor de transporte, organiza todas as terças e quintas os passeios de bicicleta da sua loja Ciclo Adventure, que sai às oito horas da noite da praça Martins Dourado, no bairro Cocó. Seu Rogério começou a pedalar por recomendação médica e incentivo dos filhos. Incorporou a bicicleta no estilo de vida, melhorou de saúde e, a pedido dos clientes, passou a realizar os passeios ciclísticos também como uma estratégia de negócios. Ele aponta os batedores experientes orientando os trajetos e a retaguarda do carro de apoio para proteger o grupo como diferenciais de estrutura e segurança nos passeios viabilizados por algumas lojas de artigos de ciclismo. Para Rogério, “os passeios são como uma pequena manifestação, que tranca a rua e diminui o ritmo do trânsito. Além do lazer, o passeio é uma mostra para tentar sensibilizar os motoristas da maior mobilidade da bike em relação ao carro”, explica.

Na manhã do segundo domingo de cada mês, na Praça Luíza Távora, os voluntários 
da Escola Bike Anjo ensinam a andar de bicicleta e orientam quem quer pedalar no cotidiano.
Foto: Marco Leonel Fukuda

Mudando de marcha
Pedalar em outros horários e com finalidades distintas é um fenômeno que se observa nas ruas da capital cearense. O professor e guia de turismo Paulo Probo, 45, mobiliza passeios de bicicleta solidários para arrecadar donativos para instituições filantrópicas, além de coordenar os passeios ciclísticos do projeto “Viva o Centro”, de educação patrimonial e turismo cultural com roteiros pelo Centro Histórico de Fortaleza nas manhãs e tardes de domingo, com agendamento prévio para escolas e empresas. “A bicicleta favorece muito o contato mais íntimo com a cidade e os equipamentos, torna tudo mais prazeroso. Dinamiza o passeio na relação de cuidado das pessoas consigo, com o outro e a cidade”, afirma. Paulo é morador do Centro e pedala todos os dias até o trabalho na Aldeota. Duas vezes por semana, leva de bicicleta o filho João Gabriel, de dois anos, para a creche em um banco adaptado para a criança na garoupa, sem esquecer do capacete para ambos.


Joaquim Alencar, 50, contador e empresário, é praticante do triathlon de “endurance”, voltado para provas longas de resistência física. A bicicleta para Joaquim é incluída na rotina de treinos desse esporte, que iniciou com o auxílio de assessorias especializadas. Ele é categórico quando o assunto é segurança. “Pelo que observamos na rua, saímos equipados adequadamente para o ato de pedalar bicicleta e treinar. Os equipamentos são capacete, vestimenta auto-refletida, roupas mais finas e uma lanterna. O ciclista deve pedalar no sentido da via, obedecendo o fluxo”, conclui.


O cicloativismo, ou a militância em prol da bicicleta como meio de locomoção, é o que move a ação política do advogado Celso Sakuraba, 26. Ele integra o movimento Massa Crítica Fortaleza, grupo à frente de manifestos para reivindicar a construção de ciclovias e melhorias na mobilidade urbana. “A Massa Crítica não se vê como grupo de passeio ciclístico. Ela faz manifestação pedalando”, contrapõe. Celso mora no Dionísio Torres, trabalha na Aldeota, e usa a bicicleta diariamente em todos os percursos. O movimento com influências anárquicas, realiza bicicletadas sempre na última sexta-feira de cada mês, em trajetos espontâneos partindo às 19h da Praça da Gentilândia. Quem sempre teve vontade de aprender a andar de bicicleta e utilizá-la como transporte, pode participar dos encontros da Escola Bike Anjo, nas manhãs do segundo domingo de cada mês, na Praça da CEART, na Aldeota.


O grupo de Passeio Ciclístico Ciclo Adventure se reúne todas as segundas e quartas, para sair às 20h da Praça Martins Dourado, no Cocó. Na foto, o grupo retorna na Avenida Washington Soares sentido Aldeota.
Foto: Marco Leonel Fukuda


Vida de Repórter
Tive a experiência de acompanhar um passeio ciclístico da Ciclo Adventure numa noite de quinta. Tirei a bicicleta guardada da garagem e a empurrei com os pneus vazios até a praça. Consegui pedalar 10 km, um terço do trajeto de ida e volta, que saía da entrada da Cidade 2000 até o posto Maluaga, sentido Beach Park. Parei pelo cansaço e depois de ver um ciclista a dez metros caindo da bike e quebrando o pé. Esperamos a ambulância chegar, segui o passeio descansando na kombi e aproveitei para entrevistar o Seu Rogério, organizador do passeio. As entrevistas antes de pedalar me permitiram entrar no universo sob duas rodas, entender mais o linguajar dos ciclistas, e as divergências ideológicas entre os frequentadores dos passeios noturnos e os integrantes dos movimentos cicloativistas, para enriquecer a matéria.

O grupo de passeio ciclístico Sport &Bike na concentração antes da
partida na rua Ana Bilhar, no bairro Varjota.
Foto: Marco Leonel Fukuda



Serviço

Passeio ciclístico Sport & Bike (24-30km) - 2ª e 4ª - 20h30 - Rua Ana Bilhar, 1680, 

Varjota                             (85) 3267-7452 / 8618-9045

Aluguel de bicicleta, capacete e carro de apoio: R$20. Quem já tem bicicleta, paga R$2 para ter direito ao carro de apoio.


Passeio ciclístico Ciclo Adventure (24-30km) - 3ª e 5ª - 20h - Praça Martins Dourado, 

Cocó                             (85) 3249-3636 / 9659-3926


Aluguel de bicicleta, capacete e carro de apoio: R$20. Carro de apoio: R$2

Federação de Triathlon do Estado do Ceará (Fetriece) (85) 3253.0321 - www.fetriece.com.br 


Viva o Centro! (9-11km) - domingos 9h ou 16h - (85) 8688-1344


Bicicletada Massa Crítica (10-12km) - última sexta de cada mês, às 19h, na Praça da 

Gentilândia.        www2.fortalezacritica.org

Escola Bike Anjo - segundo domingo de cada mês, de 8h às 12h, na Praça Luiza Távora (CEART), Aldeota            www.bikeanjo.com.br




Marco Leonel Fukuda
Músico e comunicador

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Perspectivas mais acessíveis de mobilidade urbana


O trajeto cotidiano de um deficiente visual no transporte público traz à tona reflexões sobre acessibilidade e mobilidade urbana. Leia o perfil e pegue carona na história de Geovanio.



Geovanio senta em lugar cedido na topic 55 não por gentileza, mas pelo direito de assento preferencial garantido por lei para as pessoas com deficiência. Foto: Marco Leonel Fukuda

É como um carro com um vidro que embaça em um dia nublado, uma manhã de junho de chuva intermitente e inesperada em Fortaleza. Aparecem diante dos olhos vultos e imagens borradas sob o céu frio e acinzentado. O contraste entre a claridade da luz solar refletida nas nuvens brancas e o sombreamento do horizonte obriga ainda assim a usar o par de óculos escuros. É assim como Geovanio Ferreira da Silva, 44 anos, estudante de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará (UECE), descreve a própria visão e se apresenta para o nosso perfil, enquanto esperamos o ônibus em uma parada da Avenida 13 de maio.

Geovanio é deficiente visual, com cerca de 0,05% da visão pelas estimativas dele, por conta do diagnóstico de retinose pigmentar. Os oftalmologistas acreditam que essa doença degenerativa da retina tem causas hereditárias, mas o paciente atribui a cegueira ao sarampo que teve aos cinco anos de idade. A retinose causou danos graves nas células da retina e do nervo ótico, na parte de trás dos olhos, com perdas significativas na captação de luz e de cores essenciais para formar as imagens.

Dou sinal à topic 55 e então subimos: eu pela frente; Geovanio tem direito à isenção da tarifa e sobe pela porta de trás. Ele me explica que o cartão de gratuidade que possui não é um passe livre. Na verdade é um acordo entre a Prefeitura de Fortaleza e os empresários do setor de transporte público para subsidiar as passagens dos idosos e das pessoas com deficiência. O validador eletrônico do cobrador registra mais uma passagem a ser cobrada depois do tesouro municipal. Para ter direito a esse cartão renovável a cada ano, a pessoa com deficiência precisa provar a sua condição, apresentando um exame de acuidade visual, um laudo médico, um formulário do posto de saúde e um comprovante de renda do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Geovanio recebe mensalmente um salário mínimo de Benefício de Prestação Continuada (BPC) do INSS, que o ajuda a continuar os estudos de Licenciatura em Filosofia e a sonhar com a sala de aula, no futuro, como professor. Se começar a trabalhar com carteira assinada, o deficiente visual perde o cartão de gratuidade. É contraditório também que se outras pessoas com deficiência visitarem a capital cearense, elas não terão direito à isenção da passagem de ônibus, nem de utilizar os cartões de seus locais de origem para se deslocarem pela cidade.


Geovanio Ferreira da Silva, 44, espera na parada seletiva de ônibus da Avenida Bezerra de Menezes junto com os demais usuários do transporte coletivo, no exercício cotidiano do ir e vir de todo cidadão.  Foto: Marco Leonel Fukuda


Geovanio enxergou normalmente e andou de bicicleta até os 26 anos, quando lupas para leitura e sucessivos óculos não foram suficientes para acompanhar a perda da lateralidade do campo visual. Em apenas dois anos, diminuiu rapidamente a visão periférica antes de afetar a visão central, e trouxe também a fotofobia, ou aversão à luz, ao não se sentir mais confortável em lugares muito claros ou muito escuros. Porém, surpreende pela prodigiosa memória, por ter decorado pontos de referência como o final da Avenida Domingos Olímpio, e as curvas até chegarmos ao North Shopping, cujo sopro do ar condicionado da entrada Geovanio consegue perceber pela sensibilidade da pele desde a janela da topic. Ele se acostumou a desenvolver os outros sentidos e a fazer mapas mentais com detalhes dos lugares que mais frequenta, tanto que dentro de casa ele nem precisa usar a bengala. E no caixa preferencial das lotéricas, até retirou cédulas organizadas de dentro da carteira, e perguntou, só para conferir, se eram mesmo duas notas de cem para pagar a fatura de duzentos reais do cartão de crédito.

Apesar das limitações desde que começou a perder a visão, Geovanio abraçou a religião evangélica, foi aprovado no vestibular e participou de cursos no Instituto dos Cegos e na Associação de Cegos do Estado do Ceará (ACEC). A fé e a determinação foram fundamentais para vencer inseguranças e desmistificar preconceitos em relação às pessoas com deficiência. Além da leitura em Braille, a realização de tarefas domésticas e diversos cursos profissionalizantes para a inserção no mercado de trabalho, ele ressalta a importância das aulas de orientação e mobilidade para a autonomia que adquiriu como deficiente visual.

A partir desse último curso, Geovanio aprendeu a manusear com destreza a bengala longa com movimentos de semicírculos para localizar obstáculos, proteger os passos de cada pé alternadamente, para assim andar pela cidade e até viajar sozinho. O curso de orientação e mobilidade prepara para uma vida independente, e também ensina às pessoas com perda de visão como subir e descer no transporte coletivo, além de utilizar elevador e escadas comuns ou rolantes.

Geovanio mora na Leste-Oeste e leva uma hora todos os dias no trajeto até a faculdade no bairro de Fátima, na topic 55 ou nos ônibus Albert Sabin e Grande Circular 1. Ele se recorda que há dez anos havia o ônibus Campus do Pici/Unifor da empresa São José de Ribamar, com ar condicionado e sintetizador de voz anunciando as próximas paradas. Essa demanda se soma à necessidade de melhorar o atendimento de motoristas e cobradores nos ônibus, bem como de guardas municipais e fiscais nos terminais integrados para guiar e orientar as pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Geovanio lamenta as recentes manifestações que ocuparam as ruas das principais cidades do Brasil não terem incluído a acessibilidade como pauta de direitos e cidadania. Ele propõe que mais campanhas educativas sejam realizadas para informar e conscientizar a população, a fim de que as pessoas com deficiência possam ser incluídas de fato na vida em sociedade.



Marco Leonel Fukuda
Músico e comunicador