terça-feira, 11 de junho de 2013

História do transporte público em Fortaleza


Praça Castro Carreira (Praça da Estação) de Fortaleza no início do século XX,
com a Estação João Felipe ao fundo, inaugurada em 1873. Foto: Acervo RFFSA.

Faça uma viagem pelo tempo, de 1873 a 2013, em um panorama de 140 anos de história do transporte público em Fortaleza. Conheça a evolução desde os bondes puxados por burros aos ônibus na municipalização do sistema de transporte na capital.

Bonde de tração animal puxados por burros,
implantado em 1880 em Fortaleza. Foto: Acervo Nirez

Trilhos
Para compreender o percurso histórico do transporte público em Fortaleza, é necessário voltar para o final do século XIX. A cidade ainda era uma provinciana capital que crescia com o comércio do algodão e vivia a influência cultural da Belle Époque francesa nas praças, nas construções, nos costumes sociais e no traçado urbano. 

Em 1870, Tomás Pompeu de Sousa Brasil, o Senador Pompeu (1818-1877), conseguiu uma licença com o Imperador Dom Pedro II para construir o primeiro trecho de ferrovia do Ceará, em sociedade com homens de negócios como o Barão de Aquiraz e o empresário inglês Henry Brocklehurst. Se no plano cultural daquela época, a influência era da França, na dimensão econômica e tecnológica, a Inglaterra era a principal referência: de lá que vieram os trilhos, as locomotivas a vapor, os carros de passageiros, os vagões de cargas, o material rodante e os acessórios ferroviários para o ramal que ligava a Estação Central de Fortaleza à Estação Arronches, na Parangaba.

Segundo Hamilton Pereira, engenheiro ferroviário aposentado da RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.), “o transporte ferroviário era um vetor de progresso, desbravando sertão adentro, com o crescimento das cidades em torno das ferrovias e o desenvolvimento do Nordeste.” Para o engenheiro, o fluxo de produtos que vinham do interior para a capital era dificultado pela baixa infraestrutura das estradas e pelo transporte de tropas de mula. 

O cenário do transporte no Ceará muda com o advento das ferrovias, que passam a trazer as cargas de arroz, cana-de-açúcar e carne de Maranguape e café de Baturité diretamente para Fortaleza. A capital se torna um ponto de apoio privilegiado para o comércio, por conta do porto e da instalação dos trens. Além do escoamento de mercadorias, a ferrovia vai prover na década de 1920 o transporte de passageiros com conexões de trem suburbano entre a cidade e municípios próximos como Maracanaú e Caucaia.


Os bondes elétricos de Fortaleza foram implantados em 1913
pela Light, com energia oriunda da queima de carvão da Usina
de Luz e Força do Passeio Público. Foto: Acervo Nirez

Rodovias
A primeira linha de ônibus surge em 1926, como registra o acervo Nirez, da Praça do Ferreira ao Matadouro Modelo, onde hoje funciona a Regional I, próximo à estação Otávio Bonfim. Naquele tempo, a pavimentação em Fortaleza ainda era bastante precária, o que levou a disputas territoriais entre os bondes elétricos e os ônibus para circular nos trilhos assentados desde 1913 pela Light nas ruas da cidade. A briga por espaço e por passageiros levou a concessionária inglesa a entrar sem sucesso na Justiça com uma ação contra as empresas de ônibus, e assim começa a se dissolver o monopólio da operação do transporte público na capital cearense. 

De acordo com a historiadora Patrícia Menezes, mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenadora de documentação do Centro Cultural do Transporte CEPIMAR/SEST/SENAT, a década de 1920 inaugura o ônibus como modalidade de transporte coletivo em Fortaleza pelos itinerários fixos e pela política de tarifas. “O grande paradoxo é o transporte ser um serviço público feito por empresas privadas”, afirma a historiadora, que inclui nesse processo os problemas de locomoção e regulamentação do transporte observados historicamente em Fortaleza. Os trajetos mais rentáveis e a maioria das linhas de ônibus se concentravam no Centro e em bairros próximos, enquanto que a periferia não era bem servida de opções de linhas, demonstrando a falta de planejamento público de mobilidade. Havia também a diferença de tarifas por seções, que iam encarecendo à medida das distâncias percorridas. 

O serviço do transporte fortalezense naquela época teve sérios problemas de normatização e de flutuação administrativa. Faltavam leis que definissem a padronização dos veículos que realizariam os trajetos das linhas, bem como em relação a normas básicas de segurança e a responsabilidade das instituições para regular, controlar e fiscalizar o transporte público. Antes do primeiro Regulamento Municipal do Transporte aprovado pela Câmara dos Vereadores em 1954, havia dúvida de quem administraria o transporte na capital: a Inspetoria Estadual de Trânsito (atual Detran) ou o Departamento de Transportes Coletivos da Secretaria de Serviços Urbanos, órgão  criado em 1948 pelo prefeito Acrísio Moreira da Rocha. Além do mais, os ônibus eram construídos artesanalmente com carrocerias de madeira colocadas sobre chassis de caminhões, o que causou inúmeros acidentes como atropelamentos, incêndios e colisões com automóveis e bondes, registrados pela imprensa local. 

Fazer o retorno e observar o trânsito nessa movimentada avenida da história do transporte público em Fortaleza é importante para entendermos a complexidade da atual conjuntura da mobilidade urbana e o desenvolvimento do sistema municipal de transporte na cidade. O desafio que se coloca hoje para a capital do Ceará é planejar e investir em melhorias do transporte e na variedade de opções de deslocamento, para garantir plenamente o direito de ir e vir do cidadão, a partir dos caminhos sinalizados historicamente.


Ônibus Elétricos da CTC/Fortaleza - Foto: Acervo Nirez

Curiosidades históricas
Podemos também situar em Fortaleza a pontual presença de meios de transporte híbridos que fracassaram pela inviabilidade. A primeira dessas curtas experiências foi a “Pata-choca”, um rudimentar trator a gasolina que puxava vagões de bondes, levando cargas e passageiros até a distante Messejana no final da década de 1920. Outro caso curioso ocorreu durante a gestão do prefeito Murilo Borges, com a criação da Companhia de Transportes Coletivos (CTC) e a implantação dos ônibus elétricos em 1967, inspirada nos antigos electrobus ingleses do século XIX. A CTC foi uma tentativa de municipalizar e retomar o monopólio do serviço de transporte urbano a partir de uma instituição pública, e o meio escolhido foi o ônibus elétrico, que substituía o motor de combustão interna a diesel por um sistema de postes e fiação elétrica. Em 1971, o prefeito José Walter vendeu os nove ônibus elétricos da CTC, que posteriormente se reduziu apenas ao transporte escolar.

Essas são algumas das histórias do transporte público em Fortaleza para quem visita as exposições do Centro Cultural do Transporte da Federação dos Transportes CEPIMAR (Ceará, Piauí e Maranhão), associada ao SEST/SENAT. A instituição se localiza na Rua Dona Leopoldina, número 1050, Centro. O acervo de 60 mil documentos e publicações da história do transporte rodoviário em Fortaleza e no Ceará é aberto para consulta local de pesquisadores. As exposições podem ser agendadas com visitas guiadas para escolas no projeto “Pela Janela do Ônibus”, pelo telefone (85) 3252.2624.  

Marco Leonel Fukuda
Músico e comunicador

2 comentários:

Anônimo disse...

O problema da escassez de transporte publico em Fortaleza se trata de um caso isolado?

Marco Leonel Fukuda disse...

Boa pergunta, mas é evidente que não, o problema da escassez de transporte público no Brasil se dá com mais gravidade nos grandes centros urbanos do nosso país - quando falamos de questões como a mobilidade urbana e o planejamento, ou a ausência dele nas cidades. Esse texto que você acabou de ler é uma pesquisa do jornal-laboratório do curso de Comunicação Social / Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC). Falamos sobre mobilidade urbana e seus desdobramentos e a história do transporte em Fortaleza foi apenas uma de suas pautas. Por isso, começamos das ferrovias, passando por bondes até chegar aos ônibus no sistema municipalizado na década de 1960 na capital cearense. Imagine o que não deve ter de interessante por descobrir e para ser contado sobre o transporte na sua cidade, na sua região?