sábado, 13 de fevereiro de 2010

Meio Ambiente - Cyberativismo em defesa das Dunas do Cocó

A Câmara Municipal de Fortaleza aprovou no ano passado, devido à mobilização dos movimentos sociais e ecológicos, a Lei que cria a Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) “Dunas do Cocó”, protegendo uma área verde de 15 hectares, localizada em Fortaleza (CE), que está sendo ameaçada pela construção de vários empreendimentos imobiliários e pela ganância desenfreada de empresários do setor da construção civil. Essa área verde (APP - área de preservação permanente, de acordo com o Código Florestal Brasileiro de 1965) é composta por dunas fixas e móveis, por vegetação de mangue da mata ciliar do aquífero do Rio Cocó, que integra a bacia hidrográfica que abastece a quarta maior metrópole brasileira. O ordenamento jurídico nacional fundamenta a defesa das Dunas do Cocó na Constituição Federal de 1988, no Código Florestal (Lei 4.771/1965), na resolução 303/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), no Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC - 9.985/2000) e no Plano Diretor Participativo da cidade de Fortaleza, que considera essa área Zona de Interesse Ambiental (ZIA).

O presidente do Tribunal de Justiça do Ceará, desembargador Ernani Barreira, atendendo aos interesses de empresários, cedendo ao poderio econômico, concedeu liminar cancelando os efeitos da Lei. O paradoxo é como um colegiado de desembargadores, todos doutores versados nos mistérios do Direito, magistrados com mais de vinte anos de experiência, e, em princípio, conhecedores da nossa legislação, permitem tamanha ilegalidade, um atentado à biodiversidade, ao encaminhar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) - processo nº 333345-03.2009.8.06.0000/0, anulando os efeitos da Lei Municipal 9.502/2009 (criadora da ARIE Dunas do Cocó), anteriormente aprovada na Câmara dos Vereadores de Fortaleza e sancionada pela titular do Poder Executivo municipal, a Prefeita Luizianne Lins (PT-CE).

A manifestação do povo de Fortaleza a favor da preservação ambiental e em prol do desenvolvimento sustentável pode começar com um ato simples: assinar a petição online “Em defesa da constitucionalidade pela Lei Municipal de Fortaleza 9.502/2010″, que será dirigida aos desembargadores a fim de que a decisão arbitrária, anti-democrática e irresponsável do Presidente do Tribunal de Justiça seja modificada. O blog Cultura Ciliar manifesta abertamente a sua revolta, a sua decepção com a mais alta corte do Poder Judiciário cearense, e apóia essa iniciativa de cyberativismo em defesa do meio ambiente, da manutenção do equilíbrio ecológico.


* Acessem o Link: http://www.petitiononline.com/arie9502

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Cinema - "O homem que engarrafava nuvens"




O blog Cultura Ciliar traz agora uma apreciação crítica do documentário "O homem que engarrafava nuvens", direção de Lírio Ferreira, que retrata a vida e a obra do músico, compositor, poeta, advogado, deputado federal e criador de leis de direito autoral Humberto Teixeira (Iguatu-CE, 5 de janeiro de 1915- Rio de Janeiro-RJ, 3 de outubro de 1979), que estreou no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro em 2008, e só visto em cartaz pelas paragens de Fortaleza, estado do biografado, neste começo de 2010, evidentemente à margem do circuito comercial por ser cinema de arte. Mais produções artísticas como essa são fundamentais e devem ser estimuladas, pois trabalham com a questão da identidade cultural, do resgate das raízes formadoras da nossa sociedade, da auto-estima do povo brasileiro, que precisa rever os seus referenciais de liderança, dos seus heróis nacionais, que são muito mais numerosos e relevantes do que os políticos e os militares que dão nome às ruas das nossas cidades (na verdade cujos nomes são impostos). Em Fortaleza, quarta maior cidade brasileira, não há uma grande avenida sequer homenageando Humberto Teixeira ou Patativa do Assaré, por exemplo.

O filme começa com uma cena no cemitério, em que Denise Dumont, atriz e filha de Humberto Teixeira, vai visitar o túmulo do seu querido pai e começa a refletir sobre a sua figura como ser humano e personalidade da cultura brasileira. Pouco se sabe sobre esse ícone da música nacional, mas as crianças desde cedo aprendem na escola a tocar na flauta, no violão, a cantarolar a toada-baião "Asa Branca", por exemplo, sem imaginar o contexto sócio-econômico, cultural e político da época em que foi composta essa e tantas outras obras musicais memoráveis foram incorporadas ao nosso cancioneiro. Denise Dumont, que assina a produção do documentário, demonstra um firme propósito em coletar depoimentos e informações acerca de seu pai, resgatando, além da sua própria história pessoal, genealógica, parte significativa da história da música brasileira, através de imagens do interior e da capital do Ceará nos anos 1920 e 1930, do Rio de Janeiro de 1940 em diante, onde Humberto Teixeira fixou residência até a sua morte em 1979.

Humberto Cavalcanti Teixeira, o retratado no documentário, nasceu na cidade de Iguatu, no interior do Ceará, no meio do Polígono das Secas, no sertão do Nordeste do Brasil. O nome de sua cidade natal, em língua indígena, significa "água boa". O título "O homem que engarrafava nuvens" é bastante sugestivo pois o "Doutor do Baião", como era conhecido, ao mesmo tempo erudito literato e compositor de trovas populares à maneira da literatura de cordel, observava a paisagem sertaneja e se inspirava para a sua criação artística, "engarrafando" as nuvens, o arco-íris, a resistente vegetação da caatinga.

Ao longo do documentário, outras personalidades da cultura brasileira fazem participações cantando as canções de Humberto Teixeira e/ou fazem depoimentos a respeito da vida e da obra do compositor cearense. Gilberto Gil, Caetano Veloso, o jornalista Tárik de Souza, a banda cabaçal Os Irmãos Aniceto, Patativa do Assaré, Raimundo Fagner, Fausto Nilo, Maria Bethânia, Chico Buarque, Gal Costa, entre outros, até o próprio Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga em gravações da década de 1970 dão o ar de sua graça no documentário. Nonato Luiz faz seu violão maravilhoso ressoar na nave da neogótica Catedral Metropolitana de Fortaleza. Em outro momento, "Paraíba" é cantada em japonês, mas que não convence tanto e soa bastante estranho e artificial, por não ter a flexibilidade e o lirismo do português dos brasileiros. Até em Nova Iorque, a banda Forró in the Dark (nome inspirado na canção "Forró no Escuro" de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga), de músicos brasileiros e o norte-americano David Byrne, cantam esse repertório de música nordestina em português e em inglês, uma passagem muito interessante de como a música brasileira conseguiu de maneira curiosa, principalmente ao longo do século XX, chegar a vários lugares do mundo e ainda permanecer desconhecida da maioria dos brasileiros atualmente.

A voz de Humberto Teixeira, "em off" durante boa parte do documentário, conta que desde criança ouvira o baião sendo tocado, que era música antiga, de três ou quatro séculos atrás, que juntamente com Luiz Gonzaga, eles tiveram o propósito de levar essa música nordestina para que o restante do Brasil conhecesse, e formasse um resistência cultural após a Segunda Guerra Mundial contra a música estrangeira que acriticamente era consumida e disseminada no Brasil (vejam como isso ainda é atual). Como tantos nordestinos que emigraram ao Centro-Sul buscando melhores condições de vida, indo para o Rio-São Paulo ou para o Planalto Central, formando a legião de "candangos", os construtores de Brasília (nova capital da esperança, que em 2010 comemora 50 anos), Humberto Teixeira, através da música, lembrava os seus conterrâneos das saudades da sua terra natal, exaltando a natureza, utilizando a língua corrente do povo e coerente com as tradicionais manifestações culturais desse interior, para o qual, como se diz no filme em questão, o homem brasileiro virou as costas (belíssima expressão idiomática essa - o interior geográfico e o próprio interior do ser humano).

Um excelente filme, primorosamente preparado, que deve ser apreciado por quem se interesse de verdade pela cultura do Brasil. "O homem que engarrafava nuvens" conta a história da música brasileira do século XX por uma perspectiva muito interessante, como já tratamos nesta apreciação crítica. O blog Cultura Ciliar recomenda que os leitores internautas assistam a essa preciosidade, maravilha cinematográfica, que, mesmo com quase duas horas de duração, consegue ser um produto cultural informativo, nutritivo de alma e de real entretenimento.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Exposição Movimento Musical Manguebeat

A Exposição Movimento Musical Manguebeat, realizada em janeiro de 2010 no Centro Cultural Banco do Nordeste em Fortaleza/CE, por ocasião do IV Rock Cordel, recebe agora uma apreciação crítica do blog Cultura Ciliar.

A proposta da exposição era muito interessante: levar ao conhecimento do público informações acerca do Manguebeat, movimento musical da década de 1990 em Pernambuco, quando o trabalho de grupos de músicos como Chico Science e Nação Zumbi, Mestre Ambrósio, Mundo Livre S/A, entre outros, permitiu uma descentralização regional na produção da cultura brasileira. A produção cultural no Brasil, que antes era restrita ao eixo Rio-São Paulo, tornou-se polinucleada, diversificada regionalmente. Isso permitiu que os artistas permanecessem em suas terras natais e ampliassem suas perspectivas de trabalho, não sendo o êxodo intelectual para Rio-São Paulo mais obrigatório a todos os casos.

Escolheu-se o nome Manguebeat, pois o mangue é um ecossistema de grande biodiversidade, berçário de várias espécies, um rico ambiente de exuberante vida, abrigo de muitos seres vivos da fauna e da flora. Esse movimento cultural buscava resgatar os ideais antropofágicos do Tropicalismo dos anos 1960, contextualizando com a produção cultural do final do século XX, inovando sobremaneira a cena musical daquele tempo. Os artistas do Manguebeat pretendiam fundir elementos da tradicional música popular brasileira e nordestina como samba, frevo, coco, baião, ciranda, maracatu com reggae, rap, rock, pop. Os gêneros de música internacional contemporânea mesclados com gêneros genuinamente brasileiros, no propósito de "modernizar o passado" ou então "contemporanizar a tradição" (MIRANDA, 2009, p.177). Instrumentos tradicionais e acústicos como zabumba, sanfona, viola caipira e rabeca passaram a coexistir com guitarras elétricas e demais instrumentos eletrônicos.

Apesar de toda essa fundamentação histórica e teórica que o Manguebeat traz, a exposição no Centro Cultural do Banco do Nordeste (CCBNB) não foi feliz em muitos aspectos. Depois de ter passado um mês em Fortaleza, a exposição já foi levada pelo Itaú Cultural para São Paulo. Espremida no terceiro andar do CCBNB, a exposição Movimento Musical Manguebeat entrava no caminho de quem se dirigia à biblioteca do CCBNB. Havia alguns painéis nas paredes com fotos, cartazes, três mesas de vidro com capas de LP's, discos e fitas K-7, um acervo relevante daquela época de efervescência cultural, mas tudo com pouquíssimas referências, sem organização cronológica ou temática, simplesmente solto no espaço. Quem não tivesse prévio acesso a informações sobre o Manguebeat, ficava perdido e desinteressado. Faltou mais capricho no trabalho de curadoria da exposição, que apenas colocou um único cartaz com texto perto do filtro de água. Quem foi para lá convidado pela divulgação de respeitados meios de comunicação da capital cearense voltou para casa seriamente decepcionado.

Por: Marco Leonel Fukuda

Pesquisa bibliográfica: MIRANDA, Dilmar. Nós a música popular brasileira. Expressão Gráfica: Fortaleza, 2009.