terça-feira, 18 de maio de 2010

Passeio/Aula de campo no Centro de Fortaleza


Na manhã da segunda-feira 17 de maio de 2010, a turma do 1º semestre de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) teve uma aula de campo interessantíssima no centro da cidade de Fortaleza orientada pelo prof Wellington Jr de Introdução à Comunicação e Semiótica. Segunda-feira tradicionalmente é um dia em que museus e centros culturais em sua maioria estão fechados para manutenção e não funcionam para visitação pública. Apesar disso e da exaustão física de uma manhã inteira caminhando e torrando ao sol, a aula de campo foi uma das mais produtivas do semestre.

A concentração foi às 9h na Praça do Ferreira, em frente ao histórico Cine São Luiz. Em meio ao sol quente, implacável e impiedoso, o prof Wellington mostrou ao seus alunos vários aspectos arquitetônicos curiosos das edificações do centro que, para aqueles que vão ao centro apenas para fazer suas compras, pagar as contas e resolver outras questões cotidianas, passam muitas vezes despercebidas. A Praça do Ferreira é um mosaico de traços arquitetônicos do barroco, do neoclássico, da art nouveau, da art déco, do modernismo e do pós-modernismo. Todos esses estilos de distintos períodos da História ecleticamente mesclados em uma cidade que se urbanizou de forma acelerada, numa pressa insaciável de se tornar uma metrópole cosmopolita, porém ainda mantendo muitos aspectos de provinciana vila. O preço que se pagou por isso foi bastante caro, pois negaram-se a memória da cidade, as características de cidade litorânea e tropical, a organização urbanística do passado em busca de um desenvolvimento a qualquer custo, impulsionado por um ambicioso e precipitado projeto de modernidade, em que a qualidade de vida foi desconsiderada como vetor de padrão civilizatório. É lamentável que a Praça do Ferreira, por exemplo, perdeu o seu coreto para dar lugar a uma coluna da hora enferrujada e com os ponteiros imóveis, as linhas de bondinho, que se tivessem sido mantidas eram mais uma possibilidade para o turismo (vejam o caso de San Francisco, nos EUA), o charmoso Cine Majestic arruinado por um trágico incêndio. Discutiu-se sobre a função social de uma praça, um espaço público apropriado para o encontro e para a circulação das pessoas, além de um local para arejar a cidade.

Fortaleza convive com vários períodos, com a dificuldade e o notável desinteresse de sucessivas administrações governamentais em preservar o patrimônio histórico-cultural. O Centro não possui estilo arquitetônico próprio e observamos muitos casos de degradação das antigas construções. Não há continuidade entre os edifícios tombados, o que dificulta sobremaneira as atividades turísticas naquela região. Por detrás dos letreiros e dos balcões de propagandas, uma cidade antiga se esconde, envergonhada, oprimida pela expansão comercial desenfreada e obsessão de modernização da cidade nova, como se Fortaleza tivesse várias camadas e o nosso olhar não estivesse desautomatizado para escavar e revelar a nossa cidade de outros tempos. Os estudantes ficaram maravilhados ao passar pelas ruas apinhadas de gente e de ambulantes e perceber os resquícios de épocas passadas nas construções, nas fachadas muitas vezes ocultas pelos "outdoors".

Descendo a rua Guilherme Rocha, chegamos à Praça José de Alencar, que homenageia o célebre escritor cearense, um dos fundadores da literatura brasileira. Nessa praça, que também teve dias de glória, destacam-se o centenário Theatro José de Alencar em toda a sua opulência, com estrutura de ferro vinda de navio da Escócia e aqui montada, o jardim lateral de projeto assinado pelo arquiteto e paisagista brasileiro Roberto Burle Marx, do Cena TJA, espaço anexo para residências artísticas e espetáculos de públicos menores, o prédio do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) - antiga Escola de Odontologia, o Hotel Lord, prédio tombado que pode desabar com as obras do Metrofor, a Igreja do Patrocínio e o antigo Beco da Poeira, uma rede de comércio popular que desordenamente foi instalada ali, que descaracterizou de fato aquele espaço tão rico em cultura.

Seguimos nosso trajeto pela rua General Sampaio até a Praça da Estação, onde muitas linhas de ônibus da capital cearense se encontram. Entramos na Estação João Felipe, que, apesar de estar muito próxima ao mar, tem suas portas voltadas para o lado do sertão, pelo fato de Fortaleza ter sido primeiramente ocupada por vaqueiros oriundos do interior, que foram migrando com as suas criações de gado seguindo as margens dos rios. Isso acabou por refletir em muitos outros aspectos da cultura cearense, como a culinária típica local, que tem as carnes de bovinos e caprinos entre os seus pratos predominantes.

Após o hospital da Santa Casa de Misericórdia, ainda na rua Dr. João Moreira, chegamos à Emcetur, a antiga Cadeia Pública. A maioria dos turistas se satisfaz no térreo, vendo lindas manufaturas artesanais de renda, trabalhos manuais e camisetas temáticas do turismo local, ou ainda se tiver sorte, de presenciar ao vivo uma rendeira trabalhando no seu tradicional ofício pelos corredores. Porém no segundo andar do bloco central da Emcetur há uma belíssima exposição de artes visuais, uma espécie de tesouro escondido. Várias esculturas de madeira, artefatos de cerâmica, um exemplar de uma jangada, um carro de boi e um tear manual. Artistas cearenses como Zé Pinto com as esculturas de metais reciclados, o mamulengeiro (construtor de fantoches para teatro de bonecos) Pedro Boca Rica, Noza, entre outros têm os seus trabalhos expostos, que gratuitamente podem ser visitados pelo público.

Continuamos até o Passeio Público, ou Praça dos Mártires, onde foram executados os líderes cearenses da Confederação do Equador como Padre Mororó, Carapinima, Pessoa Anta, etc. Paramos para um breve descanso à sombra das árvores, em especial um legítimo baobá africano bicentenário, testemunha perene das transformações pelas quais a cidade tem passado. Passamos ainda pelo forte da 10ª região militar, construído no século XVII pelos holandeses, pelo Mercado Central e pela Catedral, em estilo neogótico, que levou meio século para ser concluída.

Seguimos até a Praça dos Leões, onde há uma estátua em homenagem à escritora cearense Rachel de Queiroz, a primeira mulher a entrar na Academia Brasileira de Letras (ABL) e que, se estivesse viva, completaria 100 anos em 2010. Visitamos o interior da Igreja do Rosário, construída por escravos para ser frequentado por eles e o primeiro templo religioso erguido em Fortaleza, e o Palácio da Luz, que abriga a sede da Academia Cearense de Letras, com um rico acervo literário e pictórico, que felizmente pôde receber a visita dos alunos de Jornalismo. Quadros de grandes artistas plásticos cearenses como Raymundo Cela e Aldemir Martins estão no auditório da Academia, que demonstra não ser o lugar mais apropriado para proteger essas obras de tão grande valor artístico de fatores prejudiciais como o calor, a umidade, o mofo. Mais uma vez, notamos a necessidade de maior cuidado com o patrimônio público, o que faz absolutamente muito sentido ao se falar da Academia Cearense de Letras, que abriga e tem abrigado sucessivas gerações de políticos e de gente influente, que viraram nome de ruas da cidade inclusive, indivíduos que nem sempre são convocados à essa agremiação literária pela qualidade artística dos seus escritos, pela sua contribuição à literatura e à língua portuguesa, mas por se destacaram na estrutura de poder e de dominação da sociedade.

Ávidos em procurar trilhas para caminhar na sombra, os alunos regressaram à Praça do Ferreira, o ponto de partida da aula de campo, surpreendidos por terem tido a oportunidade de conhecer Fortaleza por outros ângulos, com outro olhar que não o condicionado pela maioria dos guias turísticos que hipnotizam nossos visitantes, levando-os a lugares mais óbvios como as praias, as zonas nobres da cidade, os "shoppings", direcionando-os ao consumo em estabelecimentos dos quais retiram a sua comissão, a levarem para casa mais "souvenirs" do que recordações.

Para encerrar essa aventura matinal dos estudantes-pedestres, que compreendou o circuito Praça do Ferreira-Praça José de Alencar-Praça da Estação-Emcetur-Passeio Público-Catedral Metropolitana de Fortaleza-Praça dos Leões-Praça do Ferreira, os estudantes brindaram o passeio degustando pastel com caldo-de-cana da tradicional lanchonete Leão do Sul, iguarias apreciadas há gerações de fortalezenses. Depois da suas andanças e de uma intensa manhã de atividades, a turma dos estudantes de Jornalismo se encaminhou para a universidade, a fim de assistir aula no período da tarde.

Marco Leonel Fukuda
Músico e estudante de Jornalismo

Foto: Tamara Lopes
Turma de Comunicação/Jornalismo UFC
Professor Wellington Jr - Introdução à Comunicação - 1° semestre - 2010.1

O blog Cultura Ciliar agradece a colaboração de Tamara Lopes e Catherine Santos pelo apoio na cobertura fotográfica dessa matéria.

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