domingo, 6 de junho de 2010

Artes Cênicas - Um Sertão Encantado - por Thamires Rodrigues de Oliveira


O blog Cultura Ciliar agora publica uma bela matéria de apreciação de arte escrita por Thamires Rodrigues de Oliveira, aluna do 1° semestre de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará.


"A imagem de um sertão com ar mitológico é evocada por batuques, cantigas de roda e outras sonorizações - como chuva e grilos que quebram o silêncio noturno - feitas ao vivo pelos atores dos grupos Expressões Humanas e Teatro Vitrine. Assim é Encantrago – Ver de Rosa um Ser Tão, espetáculo dirigido por Herê Aquino, livremente inspirado na obra de Guimarães Rosa e nas manifestações culturais brasileiras. A rapadura e a cachaça tão conhecidos do paladar sertanejo, o pau-de-fita, a escuridão, que só não é total em alguns momentos da peça pela existência de pequenos pontos de fogo vindos de lamparinas flamejantes, e um xote dançado pelos atores e pelo próprio público são elementos que resgatam a cultura popular e encantam os espectadores. A fusão desses grupos na realização de um espetáculo que clama pela interação do público deixa transparecer a intenção de fugir dos estereótipos comumente relacionados ao tema nordestino, tais como seca e miséria. A fantasia e o imaginário do sertanejo trazidos à tona através de cantigas populares, de procissões e até mesmo do leilão de uma moça fazem parte do resgate dos rituais humanos.


“O que a vida quer da gente é coragem”, escreveu Guimarães. Assim, os dramas do sertão ganham uma projeção que transcende o meramente geográfico e atinge o patamar universal, tratando de temas como a morte, as transformações de caráter e a luta pela sobrevivência.



Os confins de uma noite no sertão são trazidos à tona em um cenário instigante, que convida o espectador a vivenciar o clima mitológico da escuridão e do fogo



A peça integra o Festival Palco Giratório, uma rede de intercâmbio e difusão das artes cênicas. O projeto foi criado pelo Departamento Nacional do SESC, desde 1998, com o objetivo de difundir e descentralizar as artes cênicas no Brasil. A intenção do festival é não apenas gerar esse intercâmbio cultural nas grandes cidades, mas proporcionar que os pequenos teatros também tenham acesso às dramatizações. Em vista disso, muitas adaptações precisam ser feitas pelos grupos ao longo das viagens. As apresentações em teatros menores exigem mudanças na disposição dos objetos cênicos no palco, além da alteração das técnicas de luzes e sonoplastia. Em se tratando de um espetáculo que envolve o público, também é necessário o aproveitamento do espaço disponível, o que demanda um replanejamento espacial que objetiva otimizar a interação com a plateia no palco.



Uma cena ímpar no espetáculo ocorre quando os atores chamam o público para fazer uma roda, sentar no chão e ouvir uma história. No caso de Encantrago, os atores estão desenvolvendo um diário de bordo no blog do grupo, onde cada um narra as apresentações nos diferentes lugares do Brasil sob seu próprio ponto de vista, trazendo às pessoas uma noção única da experiência vivida individual e coletivamente nessa jornada artística. De certa forma, há uma reverberação dessa cena utilizando outros espaços, outras mídias, muito além do palco. Sentamos todos a bordo de nossos computadores e ouvimos de cada ator as primeiras impressões sentidas sobre uma nova cidade, os problemas enfrentados pelo grupo na adaptação do espetáculo aos diferentes palcos, a sensação de ver a cultura cearense sendo reconhecida em outros estados, as saudades dos amigos e familiares, as diferentes reações do público em cada cena, as comemorações feitas com artistas de outros grupos após as apresentações, etc. De fotos e palavras vai-se construindo um mapa de histórias entrelaçadas sobre uma longa e produtiva viagem que tem como objetivo nada além de fazer e compartilhar arte por todos os lugares possíveis. A troca de experiência entre os próprios integrantes do grupo, entre público e plateia e entre atores de diferentes grupos e propostas artísticas faz do Palco Giratório um evento que carrega consigo a bandeira da difusão cultural que se reflete em quem participa do evento e em quem tem o prazer de assistir às apresentações.


A contraposição entre luzes e escuridão, entre divindades mitológicas que representam a discórdia e a benevolência, entre situações de dor pelas dificuldades, de religiosidade como alternativa de superação dos problemas, de regozijo pelas brincadeiras infantis, de encantamento ao ouvir o barulho da chuva caindo... Toda essa temática abordada no espetáculo nos mostra que o sertão vive dentro de cada um de nós, mesmo que estejamos presos nas jaulas de concreto das metrópoles.

Texto e Imagens por Thamires Rodrigues de Oliveira

Para mais informações, acesse: www.grupoexpressoeshumanas.blogspot.com"

O blog Cultura Ciliar pediu devida autorização à autora para publicar este texto na íntegra.

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